domingo, junho 03, 2007

pra quem roubou meu coração

... tudo o que eu queria agora era estar com você, curtindo sua pele morena numa ansiedade louca, sentindo seu hálito e a curvatura do seu pescoço, com você descobrindo em mim ossos que nem eu sabia que existiam. Queria que esse ponto final nunca durasse, que a frase se prolongasse como agora prolongo a frase, que sua boca macia e ligeira destruísse minha boca, que eu a bebesse, que você me consumisse, eu queria ver que por um segundo você me provou e descobriu do que éramos feitos. Arrancamos as roupas de um e do outro porque achamos que botões e zíperes eram distrações dispensáveis para nossa sanha.

Suas unhas afundaram em mim e temi que você quisesse me perfurar e habitar em minha pele.

Admirei seu corpo negro por tanto tempo que alguém diria que não havia uma revolução lá fora.

Você me comeu a alma antes que eu pudesse te dar um beijo e se nós fizemos com tanta força foi porque eu queria minha alma de volta.

Te vasculhei inteira, sem nada encontrar. Cadê minha alma? E pare de revirar os olhos.

Gotas salgadas despencam do alto de rochedos e chegam ao teu ventre, que arqueja, projeta e contrai.

Manchas de consciência pulsam em minhas têmporas latejantes. Rasgos de realidade interpõem-se entre nós.

Foi o momento mais lindo.

*

Acordo. A manhã mais fria. Junto os cacos e, tristemente, parto. Olho você, dormindo indiferente. Olho você, que ainda tem tantas canções pra cantar.

Saio à rua e sento na esquina, esperando alguém. É domingo. Vai passar.

(15)

A história de nossas vidas é a história de nossas frustrações sexuais. Nada simboliza melhor a condição de apatetamento que assola nosso caráter, nada demonstra com mais eficiência a sensação de impotência que rege nossa existência. De todos os embates que enfrentamos - a luta pela sobrevivência, pelo sucesso, pela transcendência -, este é o mais baixo, o alicerce mais fundamental do espírito. Vivemos no limite, sabendo que sempre poderíamos ter mais sexo, mais selvageria, em nosso dia-a-dia: e essa certeza, de que a vida poderia ser um evento memorável e não é, nos corrói.

Certamente é trágico pensar que a riqueza da essência humana se faz conduzir pela libido; mas pensei muito no assunto e não consigo chegar a outra conclusão. Talvez eu vá mudar de idéia no futuro, mas não creio.

Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, não é possível separar as esferas da vida - a emocional, a social, a profissional e assim por diante - e achar que é possível ter "azar no trabalho e sorte no amor", ou relacionar-se bem com seus vizinhos quando sua vida em casa está uma merda. Todos os fatos vividos estão conectados, hierarquizados numa sucessão de sensações de amor, fraternidade, solidariedade, renúncia e angústia, regidas todas pela frustração a que me referia. A fonte da vida, o "animus", a alma de cada ato movido pela paixão que provocamos e sofremos, provém da libido e das frustrações que seu atrofiamento acarreta.

A libido é um fluido, um músculo, um órgão, um organismo que nos move e liberta, que fatalmente nos extermina, que nos impele ao abismo da felicidade. "O homem é estômago e sexo", disse Schopenhauer. Buscamos o tempo todo e de diversas maneiras romper essa ditadura da pele, trair a gramática do sexo, mas essa tentativa acaba nos tornando mais miseráveis.

Melhor seria abraçar nossa herança animal, torná-la irmã da sociedade que levamos séculos para construir e desenvolver. Viver civilizadamente, em sociedade, não é mal, nos proporcionou o domínio sobre a natureza e os nossos instintos auto-destrutivos. O exagero da civilização, no entanto, nos levou à robotização e ao aprofundamento de nossas frustrações. Não seria muito mais interessante viver sob o paradoxo do homem e do animal, ao invés de entregar a alma ao homem para matar a besta interna?

A angústia de não conseguir conciliar os extremos da besta-fera e do autômato civilizado é o que torna nossas frustrações sexuais o motor de nossas vidas. Transformamo-nos em crianças no sentido emocional com capacidade para matar por qualquer motivo, e esse é o pior dos mundos.