sábado, novembro 25, 2006

assim começa

Sabe o quê? Vou parar de insistir. Muita coisa aconteceu. Com tantos mal-entendidos, tantas coincidências ingratas, eu comecei a acreditar no destino e o tempo correu pra trás. Ela parece que está ali, por um momento (estou falando da felicidade, por favor), um cristal tão frágil, para dissipar-se no instante seguinte, e eu continuo andando com minhas velhas companheiras. E, em outro mal-entendido / confusão de horário / imprevisto, Isabel Evangelista some das minhas vistas apenas para continuar na memória: inalcançável.

Ontem, ela ligou. Não pude discernir muito o que dizia: compreendi apenas que estava bêbada e que sentia muito por nenhum de nossos encontros ter se concretizado. Percebi que ela sentia o mesmo que eu; que também se cansava das escrotices do destino.

Desde que nos vimos pela primeira e derradeira vez na casa de uma amiga em comum, rolou uma empatia mútua. Sincronicidade de tempos. Trocamos algumas palavras amistosas e medimo-nos com o olhar. Pude imaginá-la fazendo uma série de coisas, e não duvido que ela tenha pensado o mesmo. Anotamos os telefones e partimos, com a certeza de nos reencontrarmos. Mas nunca conseguimos.

No primeiro encontro, esperei duas horas no café. Ela ligou e disse que a avó havia sido internada. Desculpava-se. Normal.

Na semana seguinte, o pneu do meu carro furou a caminho do cinema. Quando cheguei, ela já tinha partido.

Pequenos acidentes e contratempos interpunham-se entre nós. Uma vez, descobri que ela havia estado no bar poucos minutos antes de eu chegar. Outro dia, no exato momento em que ela saía de casa para me ver, uma turbina de avião caiu em cima de seu prédio. Não estou brincando! Deu no jornal.

E eu, tão descrente de religiões e dos livros nos quais os deuses escrevem nossos nomes, gradualmente passei a crer na teoria do caos e em feng-shui.

Evangelista, que aparentemente estava fadada a tornar-se mais uma das muitas promessas feitas e não-cumpridas em minha vida, virou meu pesadelo: aquela que deveria ser e não foi.

Em nossos e-mails e telefonemas às altas horas da madrugada, eu sentia que ela pensava o mesmo e procurava desesperadamente um caminho de trair o destino. Aceitei o desafio, mas perdemos.

Quando eu saía rumo à sua casa, no horário em que eu estava certo de que a encontraria, acontecia alguma fatalidade: a avó de novo, uma emergência no trabalho, uma infecção estomacal. Um bêbado chegou a invadir a casa dela com o carro - e olha que ela mora no terceiro andar!

Eu consideraria tudo isso lorotas e a mandaria ao inferno caso não acontecesse o mesmo tipo de coisa comigo. E Isabela, um belo dia, transformou-se em meu Cristo particular: meu dogma. Eu nunca mais a vira, nunca a amara fisicamente, mas não era necessário; eu acreditava piamente em sua existência.

Não sou louco: juro que a vi. Por poucos segundos, digo. Ela atravessou a rua e desapareceu na esquina. Subiu no ônibus. Saiu apressada do cinema. Atendeu-me na farmácia. Fez meu imposto de renda.

Porque, faz tanto tempo desde que a vi, há tantos anos, que hoje todas as mulheres do mundo possuem o rosto de Isabela. Alguns dos homens, inclusive.

*

Ontem, ela ligou. Disse que estava bêbada e que sentia muito por nunca termos conseguido nos encontrar. Esses contatos já haviam virado rotina. Tudo bem. Eu a ouvi por algum tempo até ela sussurrar um “boa noite” torto e desligar. Minha querida Cristo.

Eu estava numa situação confortável. Poderia passar o resto da vida medindo minhas mulheres por Isabela. Por aquela que amei e nunca. Por aquela que esperei e me esperou. Pela minha amante de quartos separados.

Mas aí lembrei daquela do Ulysses Guimarães (devia ter algo de muito estranho naquele chopp pra eu me lembrar do Ulysses): ele disse que, se esse negócio de “e se”, “e se” funcionasse, Paris caberia no fundo de uma garrafa.

“E se...”

Mas agora chega.

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