terça-feira, dezembro 26, 2006

amigos

Permaneço sentado, atônito. O chão some sob meus pés, gotas frias começam a surgir na minha testa, posso sentir. O ruído das crianças gritando na praça de alimentação baixa, até sumir por completo. Diana e Tibúrcio continuam olhando para mim, ansiosos, talvez um pouco arrependidos do que acabaram de dizer. Imagino que tenha sido uma escolha difícil. Mais difícil, no entanto, será escolher as palavras que terei que pronunciar no momento seguinte.

Gosto dos dois. São bons amigos: ele fez parte da minha turma de faculdade, e ela começou a namorá-lo na minha festa de noivado (o meu finado noivado...), há três anos. Não há oportunidade em que nos encontremos para que eles não me encham de abraços e palavras afetuosas. Eu, em troca, ofereço-lhes os ingressos de cinema e os brindes que aparecem no meu trabalho. Saímos uma vez a cada dois, três meses, bebemos um vinho, papeamos sobre as dificuldades dos trinta anos. São legais. Quer dizer, não são meus amigos mais próximos, mas podemos nos chamar de “amigos” sem constrangimento algum.

Era assim até dez segundos atrás. Agora, os dois passaram para a próxima fase de nosso relacionamento.

- Desculpe. – sussurra Tibúrcio, assim que vê minha hesitação. – Foi totalmente inconveniente, terrível...

- Nós só pedimos porque confiamos muito em você, querido. – diz Diana, quase às lágrimas. É muito emotiva, sofre dos nervos. – Nem pense que nós dois somos uns pervertidos, Deus me livre de você pensar uma coisa dessas...

- Esqueça tudo o que dissemos. – ele pede, em vão.

Sorrio murcho e abano a mão, como se para afastar o constrangimento. O diabo é que os dois são terrivelmente feios. Material de guinchar de medo. Sem sacanagem nenhuma, os dois são medonhos, e eu, mau amigo, consigo pensar apenas na cara coberta de espinhas do Tibúrcio, na pele oleosa e inchada da Diana, nos dentes enegrecidos dos dois, nos olhinhos minúsculos dele e em sua expressão apalermada, no hálito azedo dela e em seus braços peludos...

- Pelo amor de Deus, fale alguma coisa. – ele suplica. Percebo que estive com os olhos arregalados e calado por quase um minuto.

Por outro lado, são meus amigos. Não há nada de errado no que me pediram; ao contrário, denota um grau de confiança que eu mesmo não concedo a ninguém. Foi um pedido muito doce, sincero. Subitamente, sinto-me um palerma por não aquiescer. E porque não?

- Claro que eu aceito. – falo de repente, uma oitava acima do normal. – Claro que sim. É uma honra.

O rosto dos dois se ilumina. Diana deixa escapar um suspiro, e sinto um odor azedo de ovos alcançar meu nariz. Esforço-me para permanecer sorrindo. Tiburcio quase dá um pulo:

- Que bom! Que bom, que bom! Você não vai se arrepender. Vai ser muito legal. – ele pega um papel do bolso e o coloca em minha mão. – Aqui está nosso endereço. Sexta à noite está bom pra você?

- Está ótimo. – o sorriso congela em meu rosto.

Ele aperta minha mão, profundamente agradecido. Depois, diz que eu provavelmente estou constrangido e que não querem incomodar-me mais. Eles se encarregarão de tudo. Sexta às oito da noite, então, tudo bem? Ótimo.

- Um grande abraço. – diz, e se levanta com Diana.

Antes dos dois partirem, ela vira para mim e pisca.

Amigos.

Um comentário:

Stephanie disse...

tem coisas que não se faz por um amigo.

nem por dois.

ainda mais simultaneamente.


beijo!