quarta-feira, dezembro 06, 2006

barreiras

No final do século XIX, alguns bordéis parisienses mais chiques ofereciam gansos e marrecos a seus clientes mais assíduos. Contava-se que, no exato momento do gozo do usuário, cortar o pescoço da ave proporcionava a contração de sua musculatura anal e uma sensação indescritível de prazer para o cliente.

Relatos de iniciação sexual com cabras e bananeiras não são incomuns nos rincões do País. Alguns dizem que mesmo nas metrópoles o costume ancestral continua.

Cansei de ver gente tratando árvores e plantinhas domésticas com mais afeto e intimidade do que com os próprios familiares. A atenção que os solitários dedicam às suas samambaias ou à mangueira da esquina, abraçando-as, afagando-as o caule e as folhas de maneira quase voluptuosa, não representa nada menos do que um ato de entrega absoluta.

Como se vê, nem mesmo a barreira entre reinos pode impedir a materialização de uma verdadeira paixão. Impressionamo-nos com as mudanças que ocorrem no interior da espécie humana, como a união entre pessoas do mesmo sexo e o gradual reconhecimento da mulher como centro de uma relação estável, quando, na verdade, o advento de tais mudanças já podia ser previsto como passos na evolução da sexualidade desde a Antiguidade.

A maior fronteira a ultrapassar, a que encerra o futuro do sapiens, está em vencer o preconceito que envolve a questão do amor inter-Reinos. Deixemos por um momento o que já está sendo discutido por pessoas melhores do que nós e meditemos um pouco sobre esse conceito revolucionário de amor e comunhão.

Charles L., 45, por exemplo, é um caso raro que prenuncia uma nova era para as relações sociais. Morador de Nazaré da Mata, cidade do interior de Pernambuco, Charles apaixonou-se há três anos por um conjunto de Agaricus bisporus – fungo comestível do filo Basidiomycota vulgarmente conhecido como “champignon”, utilizado no preparo de saladas e massas.

Almas menos elevadas sorririam diante do relacionamento entre um homem e um fungo, mas eu tento analisar o caso sob outro prisma. Charles encontrou o grupo de A. bisporus no sítio de um amigo e, desde então, passa todo o tempo livre de que dispõe em sua companhia. O dono do sítio já tentou expulsá-lo, sem sucesso: a cada investida, Charles apenas abandonava o local para voltar na calada da noite. Ameaças de acabar com os champignons foram respondidas pelo amante com desespero e súplicas. Não vendo outro problema fora a desconfiança e os risos do povo de Nazaré, o amigo resolveu deixar Charles cultivar sua paixão proibida.

O que nos espera? Milhões de pessoas vivem amores secretos com cogumelos, bolores e leveduras, reprimidos pela incompreensão dos que pensam que o amor é reservado somente para o Homo sapiens, que nem sabe o que fazer com ele. Outros escondem seu afeto por protozoários e outros organismos unicelulares, à espera de dias melhores.

Reconhecer o amor inter-Reinos será a maior prova de tolerância que o sapiens pode legar à sua espécie. Duvidar disso é colocar em xeque a própria existência do amor ilimitado e irresoluto que deveria existir entre todos os seres vivos, sejam homens, mulheres e fungos. Quando se vê Charles L. com seus champignons, têm-se um pequeno vislumbre do que significa essa promessa. Olhem para ele...

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