quinta-feira, outubro 04, 2007

o livro

Escrevi um romance pra você.

Sim, pra você. É uma comédia; quer dizer, é uma comédia dramática. Fala sobre nosso tempo juntos e o que ocorreu depois. Pensando bem, não houve nada de muito engraçado nessa época, houve? Então, retiro o que disse: é um drama. Um grande épico dramático, com alguns toques de humor negro. Tive que colocar isso pra que não ficasse muito chato, afinal, por mais que disséssemos que nossa história fosse extraordinária, isso não é verdade. Nossa história foi exatamente igual às outras e, se o livro parece banal, é porque tentei ser o mais fiel possível aos acontecimentos.

Hesitei muito antes de escrevê-lo. Conversei com os amigos que temos em comum e empreendi muitas reflexões. Pensei até em dizer-lhe que estava escrevendo, mas mudei de idéia quando concluí que você faria de tudo para que nossa história não fosse registrada em lugar nenhum e caísse no esquecimento. Então mantive você no escuro e só agora, com o livro no prelo, tenho coragem de dizer que ele existe. Ele é dedicado a você e, caso veja isso com ternura ou preocupação, pouco importa. Ele virá, impacientemente como Bruce Lee.

O livro vai acabar sendo nosso filho. Vamos projetar nele todas as nossas raivas e frustrações, nossos medos. Vamos acabar odiando-o como nos odiamos depois que nossa história acabou. Acho que não vai vender. Não creio que o mundo precise de (ou queira) mais uma história de amor, de mais uma derrota. No final, pensamos que podemos nos redimir contando (ou vivendo, ou assistindo a) uma história de amor, da mesma forma que pensamos que podemos recomeçar tudo ao ter um filho. Aí, tudo são flores. Flores artificiais, mas flores. Não demora muito e a redenção evapora. O livro azeda, e o filho cai na rotina, vira vítima de nossos vícios ao invés de redentor deles. Em pouco tempo, o livro cai na mesmice, nas mesmas situações eternamente repetidas. Nossa história rendeu um épico dramático, mas isso também aconteceu com todas as outras histórias. Umas poucas viraram livros e filmes, outras tantas se esvaneceram tão logo os amantes se separaram, mas todas, nem que por um breve momento, adquiriram as dimensões de um épico banal. Também um filho, que por um instante parece o ser mais sublime da Terra, transforma-se com o tempo num índice de nossos erros e vícios. Rapidamente, ele procura ter seu próprio filho para o redimir dos infortúnios herdados, e você termina com filhos e netos de desilusões.

Mas basta de filhos. Estou com um exemplar do livro na mão: gostaria de dá-lo a você. Qual é seu novo endereço? Vai me deixar entrar?

Um comentário:

Stephanie disse...

mi caro bandido,

gostei deste seu paralelo de livros e filhos - penso que ambos são formas do ser humano tentar dar algum sentido de continuidade a vida. Mantendo suas palavras, genes(e alguns defeitos) no mundo depois da inevitável.

sempre é bom saber de seus retornos à blogosfera! =)

e sobre o seu comentário sobre minha gramática, respondo com uma parceria insólita de lulu santos e waly salomão:

"assaltaram a gramática
assassinaram a lógica
botaram poesia
na bagunça do dia-a-dia

seqüestraram a fonética
violentaram a métrica
meteram poesia
onde devia e onde não devia"

é isso o que me interessa. Deixemos a correção da língua para as reportagens.

muitos beijos